Venta Rasgada
Poesias (2001)
Telmo de Lima Freitas
No Passo dos Enforcados,
Metido à venta rasgada,
Uma cara encomendada
Pra se adonar do rincão,
Um velho trança de doze,
Boleadeira na cintura
E um “bisna” quarenta e quatro
No costado de um facão.
Por profissão, bagunceiro,
Promovedor de peleia,
Não bulia em coisa alheia,
Trouxe de berço este brio,
Ruim pra ele, o pobre diabo,
Pois vivia escorraçado
Adonde boleava a perna
Deixava o dia sombrio.
Mal entrava no bolicho,
Pedia um liso de canha.
Aquela figura estranha
Com ares de esordeiro,
Primero um trago pras almas,
Depois virava de soco.
E mandava encher de novo
Dizendo “Buenas, senhores!”
Seu Lalau, dono da venda,
Já conhecia a figura.
Homem de pouca brandura
Mas brandeava quando em vez.
Na sua filosofia,
Bolicheiro é sacerdócio,
Pois faz parte do negócio
Saber levar o freguês.
Seja bueno, seja maula,
Ou mesmo desconhecido,
Às vezes escapulido
Da sentença judicial.
É de sacar o sombreiro
Essa vida de maleva.
Escondido pelas grotas
Comendo carne sem sal.
Virou a bicho do mato
Sem saber nada de nada,
Às vezes pedindo olada
Num terceio de facão,
Arrumando em cada encrenca
Mais um tempo de condena
E o “mala bruja”, pavena,
Por maula virou fujão.
Mas não ficou só naquilo,
O indivíduo arrogante
Deu mais um passo pra diante
E ficou meio oitavado.
Cobrou resposta dos “buenas”
Que não tinham respondido:
- “Vocês comeram a língua
Ou são mal acostumados?”
O mais vil, segundo eles,
Era o negrinho Deoclide,
Mas, quando um homem decide,
Se transforma num segundo,
Levou um trago de canha
Com copo e tudo na cara,
Aquela que sempre honrara,
Desde que veio pro mundo.
O ganhador da “qüerada”,
Das bandas de São Donato,
Achou, num homem pacato,
O que buscava, talvez,
Meio de baixo pra cima,
A xerenga deu o bote
E, por cima dum caixote,
Caiu por última vez.
Escureceu o bolicho
Naquele fim-de-semana,
O valente, o trabuzana,
Bandeou o último vau.
Sua derradeira palavra,
Quando sentiu que morria,
Humildemente pedia
Desculpas ao seu Lalau.
Pois, não existe valente
Que ganhe sempre a parada.
Às vezes surge uma olada
Que não consegue engolir.
E o quebra metido a bicho
Tomou seu último trago;
Triste sina de índio vago
Que chegou pra não sair.