Velório de Cruz
Poesias (2001)
Telmo de Lima Freitas
Nobre culto campesino
Que, talvez, contrabandeado,
Ficou assim transplantado
No reduto das Missões.
Ardentes evocações
Que o povo ainda cultua
Com grande devotamento,
Reproduz o sofrimento
De sete dias atrás.
E, para que durma em paz,
Se deve, então, batizar
A cruz, sinuelo da cova,
Demonstrando grande prova
De saudade e pesar.
Comparecem os vizinhos
Que moram na redondeza
E, aparentando tristeza,
Ajudam no puxirão,
Velando a cruz de um irmão
Que, uma semana certita,
Se cambiou de residência,
Pra morar noutra querência,
Por vontade do Patrão.
Segue o ritual do velório,
Em memórias ao finado:
Vela nos quatro costados,
Fita de todas as cores,
Reza e terço, clamores,
Em nome do falecido,
Que foi desaparecido
Da convivência dos seus.
Foi curta a sua passagem,
Mas cumpriu a empreitada
Que lhe foi depositada
Por esse mundo de Deus.
Posando junto das flores,
Tem um frasco recostado,
Que também será levado
Para o lugar derradeiro,
Oferta de um companheiro
Que amadrinhava balcão,
Quase sempre em parceria,
Quando secava, enchia,
De cachaça com mestruz;
E, hoje, junto da cruz,
Com a maior complacência,
Oferece aquela essência
Ao amigo de prazer.
Nada podendo fazer,
Pede, na sua oração,
Que as almas bebam por ele,
Que já não pode beber.
No virar da meia noite,
Segue a conversa em cochicho.
Alguém chega do bolicho,
Trazendo meia garrafa
Para afugentar a estafa
De quem vai amanhecer.
Segue, então, a benzedura,
Cruzando um frasco de pura
Num silêncio emocional.
E as velas choram seu choro,
Pingando lágrimas brancas
No lombo do castiçal.
Causos da velha querência
Que muita gente ignora.
Contam que a canha evapora
De junto da sepultura,
Que se apeia das alturas
Alguma alma penada,
Que não foi purificada
E vaga sem parador,
E chega no bebedor
De um sepulcro de campanha,
Beber um trago de canha
Pra esquecer que é sofredor...