INFORMAÇÕES DA MÚSICA

Mulher Gaúcha

Nico Fagundes

CD Poesias (1995)

Os velhos clarins de guerra
Desempoeirando as gargantas
Quero-querearam no pago.
E o patrão coronelado,
Reuniu em torno parentes,
Posteiros, peões e agregados.
Chegara um próprio do povo
Trazendo urgente recado
Que se ia pelear de novo
E o coronel, satisfeito,
Dizia, fazendo graça:
"vamos ver, moçada guapa,
Quem honra a estirpe farrapa
E atropela numa carga
Por um trago de cachaça...Os velhos clarins de guerra
Desempoeirando as gargantas

Um filho saiu tenente,
O mais velho - capitão,
Um tio ficou de major.
(o pobre que passa o pior,
A oficial não chega, não:
O capataz foi sargento,
Um sota ficou de cabo
E a peonada, e os posteiros,
Ficaram soldados rasos
Pra pelear de pé no chão...)

Carneou-se um munício farto
- vindo de estâncias vizinhas -
Houve rações de farinha,
Queijo, salame e bolacha,
Se santinguando em cachaça
A sede dos borrachões.

E a não ser saudade e mágoa
Nada ficou pra trás
A garganta dos peçuelos
Misturava pesadelos
Sanguessugando, voraz,
Cartuchos e caramelos,
O talabarte e o pala,
Bolacha e pente de bala,
Fumo e chumbo - guerra e paz...
No humilde rancho de um posto,
Um moço encilhou cavalo
Beijou a prenda e se foi.
Na madrugada campeira
Luzia a estrela boieira
Sinuelando o arrebol
E as barras de um dia novo
Glorificavam o horizonte
Lavando a noite defronte
Com tintas de sangue e sol.

E durante largo tempo
Ficou a moça na porta
Olhando a estrada, a chorar,
Sem saber porque o marido
Tem que partir e lutar,
Não entendia de guerra!
Pobre só votam em quem mandam
E desconhece outra coisa
Que não seja trabalhar.

Então a moça franzina
Tomou uma decisão!
Esqueceu delicadezas,
Ternuras de quase -noiva
E atou os cabelos negros
Debaixo de um chapelão
E se atirou no trabalho,
Cuidando da casa e campo,
Do gado e da plantação.

Emagreceu e tostou-se
E enrijeceu como o aço!
Temperando-se na luta
Madurou-se como a fruta
Que é torcida no baraço.

Montou e recorreu campo,
Botou vaca, tirou leite
E arrastou água da sanga.
Fez do tempo a sua canga
No lento girar do dia
E quando as vezes parava
Comovida, acariciava
O ventre, que pouco a pouco
Se arredondava e crescia.

Só a noite, quando cansada
Fechava o rancho e dormia
Seu homem lhe aparecia:
Ora voltava da guerra,
Ora peleava - e morria!...
Que triste o rancho vazio
Nas longas noites de frio
Ou nas tardes de garoa!
Que medo de ir a estância!
(e ao mesmo tempo, que ânsia
De saber notícia boa!)
Vizinha perdera o filho.
Pra outra, fora o marido.
E um dos que tinham, morrido,
Um moço, que era tropeiro,
Quando feito prisioneiro
Tinha sido degolado
Sem nenhuma compaixão.
E até um filho do patrão
Se ensartara numa lança
Em meio a uma contradança
De berro, tiro e facão.

E o fulano? Que fulano?
Aquele, que era posteiro!
Moço guapo! No entrevero
É como um raio a cavalo.

Trezontonte levou um pealo
Mas é sujeito de potra:
Já está pronto pra outra,
Sempre disposto e faceiro.

E a moça voltava ao rancho,
Tão moça ainda, e tão só!
E quando fitava a estrada,
Só via o vazio do nada,
O nada o silêncio e o pó.

Não sabe quem vem primeiro,
Se vem o pai, ou o filho.
E os seus olhos, novo brilho
Roubaram de dois luzeiros.

Cada noite, cada aurora,
Vai encontrá-la a pensar:
Quando o marido voltar,
De novo estará bonita
- novo vestido de chita
E novo brilho no olhar.
E quando o filho chegar,
Quantas cargas de carinho
Carretearão os seus dedos!
Quantos e quantos segredos
Sussurrarão, bem baixinho!
E para ele, os passarinho
Cantarão nos arvoredos...

Qual deles chega primeiro?

E se um deles não chegar?

Mas a guerra segue além,
O filho ainda não vem
E ela a esperar e a esperar!...

Bendita mulher gaúcha
Que sabe amar e querer!
Esposa e mãe, noiva e amante
Que espera o guasca distante
E acaba por compreender
Que a vida é um poço de mágoa
Onde cada pingo d'água
Só faz sofrer e sofrer.

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