Da minha cordeona, que aos poucos se fecha
Ganhei essa mecha de branco nas crinas
E antes que a gaita se vá para o estojo
Eu subo o apojo de um som que termina
Comparo o meu corpo com a gaita cansada
Por léguas de estrada, noitadas sem fim
Pois trago nas veias gaitaços malevas
E a gaita carrega pedaços de mim
Sou resto de baile com sol da janela
Sou tecla amarela, encardida do tempo
Gaiteiro gaúcho, mourão de invernada
É casca lanhada, mas firme por dentro
Na beira do fogo forjei amizade
Sem ter vaidades, pachola e contente
Pra mim dá no mesmo tocar sem ter lucro
Ou num baile xucro tapado de gente
Mas coisas tão minhas ganhei nos rodeios
Farranchos, floreios, cirandas da vida
Levando alegria tirei meu sustento
Bendito instrumento, parceiro de lida
Levei no meu canto, de pura linhagem
Ferrunhas mensagens de guerra e de amor
Abrindo esse fole, mesmo na mesmice
É como se abrisse no campo uma flor
Eu sei que a saudade jamais envelhece
Por isso, nas preces, eu peço uma luz
Pra que eu não esqueça dos tempos tão lindos
Cordeona se abrindo e os braços em cruz
O leite mais gordo extraído após a segunda apojadura.
Selvagem.