Tobiano Capincho
Canta Aureliano de Figueiredo Pinto (1978)
Noel Guarany
Este tobiano da estância
Foi o bicho mais maleva
Que o diabo inventou pra um peão
Zóio de chancho, cabano,
Sargo, coiceiro, aragano,
Maneteador e bufão.
Peão que chegasse atrasado
Na segunda, mui sovado
Das farras pelo rincão.
Já se sabia sua pena
Era encilhar o ventena
Que assim mandava o patrão.
Uma feita, era segunda,
Na estância ao clarear do dia
Com cara de laço novo, cheguei
Já estava o meu povo na mangueira
E alguém gritou, quando já dava o cavalo
Lace o tobiano capincho
Pra esse que vem dos bochincho
Do rincão dos cantagalo.
Que sina. se eu tinha o peito
Mais puro que a estrela d?alva
Que bico de beija flor
Qual bochincho ? se eu voltava
De ver a prenda que amava
Todo enredado de amor.
Virge do céu! será o diabo
Um cristão que andou bailando
Por duas noites e três dias
Com no ouvido as harmonias
Da cordiona retrechando
E o coração sarandeando
Numa havanera macia.
Nos olhos tontos de sono
Como em espelho pequeno
Aquele corpo moreno
Com crespos que o vento bate
E o aroma, a flor e o sereno
Que vem na prosa em cochicho
Ah! que aroma. eu não vi em bolicho
Nem nos baú dos mascates.
E os negros olhos ariscos
Como iraras bombeadeiras
Nas poças que a seca embarra
Na sombra de um caponete
E que maneia o ginete
Como pialo de cucharra.
Quanta coisa ela me disse
Não dizendo quase nada.
Quanta coisa ela entendeu
Da minha boca cerrada.
Porteira do coração.
E agora eu, moço, monarca,
Chego batendo na marca,
No meu ofício de peão.
Bonito, agora acordar
De um sonho que é um lindo engano
Soltar o corpo franzino
Em que envidei meu destino
Pra me trompar com o maligno
Que é esse capincho tobiano.
Chego. e, bom dia senhores,
Largo já meio covarde
E me respondem: boa tarde,
Dormiu nas palhas, paisano
Largue este e traga o buçal
A la pucha, que é desigual
A sorte de um campechano.
Vinha o tobiano no laço
Como dourado na linha,
Ligeiro como tainha,
Como traíra de açude
Dando mais pulos e saltos
Do que um calcuta na rinha.
Ah! quando a sorte é mesquinha
Não hai feitiço que ajude.
Prá encilhá o venta rasgada
Foi abaixo de oração
E já maneado, enfrenado,
Foi luta prá arreglá os troço.
Rezei quatro padre nosso
Só prá sentar o chergão.
Cheguei a carona e os bastos
E quando a cincha tinia
O infame se foi pro céu
Voltou e tombou de boléo
Quase perdendo o chapéu
Rezei quatro ave maria.
E o urso, como um bodoque
Traiçoeiro, olhando prá trás
Com a cincha no osso do peito
E eu lhe ajeitando, com jeito
Por causa do capataz
Depois de bem encilhado
Tranqueou com passos de tango
Muito mal intencionado.
Encolhido e retovado
Eu vi a minha vida pequena,
Corri os olhos na chilena
E olhei pra tala do mango,
E na voz de vamo moçada
Campeei a volta e montei
Certito e firme nos bastos.
Já o bicho vinha urrando
Ladeadito e se bandiando
Como quatiara de arrasto.
Nós fomos daquela toada
Nessa dança desgranida
Em que um taura arrisca a vida
Só pra honrar a pataquada.
Depois, de focinho gacho
Carona, apero e descida
Na fúria despavorida
De um touro na costa abaixo.
Me encomendei pro senhor
Também pra virgem maria
Nem sei como resistia
Assim, blandito de amor
E sem amadrinhador
Nesse lançante tremendo
Me fui solito, me vando
Mais triste que um payador.
Rodou e ficou roncando
Quebrado. É o fim do capincho
E eu paradito e continuo
A pensar desta maneira
Por ti, a mais linda trigueira
Gineteio a vida inteira
No lombo do meu destino.