Payada à Mulher
Payada, Memória e Tempo - Vol 2 (2008)
Jayme Caetano Braun
Que responsabilidade
Amigos, momentos brutos
Encerrar esses minutos
De tamanha qualidade
Porém, a ancestralidade
De guasca que me norteia
Não tá morto quem peleia
E eu lembro um ditado cuchicho
Quem chega tarde em buchincho
Sempre dança com a mais feia
Ilustre governadora
E meu patrão governador
Perdoem o pajador
Nesta noite inspiradora
Nesta noite encantadora
Que eu faça assim a inversão
pois é, que nesta ocasião
Junto a este fogão de brasa
Estão as donas de casa
De donas deste galpão
É que o poeta gauchesco
Tem no prefácio e na origem
Uns instintos que o dirigem
A ser meio pichotesco
E no verso barbaresco
Do estilo galponeiro
Do bárbaro cavaleiro
Do lombo da sesmaria
Trás no sangue a fidalguia
Do andante cavalheiro
Ator dos palcos de grama
Do longe do lombo do descampado
Este índio abarbarado
Que vive, que sofre e ama
Na presença de uma dama
Não titubeia sequer
Porque ele sabe o que quer
Como cantor da querência
Prestar sua reverência
Neste ano da mulher
Um ano, apenas um ano
Um ano pouco traduz
Devia ser ano-luz
Pra esse anjo soberano
Que o pajador campechano
Que já viu coisas tão belas
Que cruzou tantas cancelas
O rude cantor primário
Guarda no seu calendário
Todos os dias são delas
Tropeiro dos versos
Cruz arrebanhados ao leo
Morando sobre o chapéu
Com professores xirus
Eu vi cair os tabús
Aos clarões da realidade
E posso na atualidade
Como andejo menestrelo
Analisar o papel
Da mulher na sociedade
Há uma canção delicada
E composta pelo Glênio
Aquele amigo que é um gênio
Quando fala dessa fada
Que a china é o final da estrada
Porém, pra mnim é o começo
E até razão de tropeço
Onde os graúdos se trompam
E as vezes pensam que compram
Quando o amor não tem preço
A própria mulher perdida
Não sei quem é que inventou
O termo a que se estraviou
Dessas convenções da vida
Ela é uma fada iludida
Pensando que vende amor
Mas o andejo cantor
Que já viu cosas tão belas
Pode enxergar através delas
A virgindade interior
Pra o índio que tem vivência
Pra o índio que andou caminhos
Índio que beber carinhos
Nos mananciais da existência
A decência e a indecência
São simples definições
Elas são simples visões
Dispersadas pelos ventos
Porque existem pensamentos
Muito mais feios que ações
E o cantor dos descampados
Sempre lembra o rei dos reis
Que dizia não julgueis
Para não serdes julgados
E evoca os olhos molhados
De Maria Madalena
E a majestade serena
Do andejo de Nazaré
Que me ensinou que sem fé
A vida não vale a pena
Mas perdoem ao cantor
Deste velho território
Que sem o dom oratório
Vem se meter a orador
É que pra mim mulher flor
Ela é a beleza suprema
Ela é um tema
É mais que um tema
Intangível, transcendente
que por mais que a gente tente
Pode condensar num poema
Nós temos no nosso hino
Escrito por tantos bravos
Que não há lugar pra escravos
No Rio Grande campesino
E o pendão continentino
Que fala de liberdade
Humanidade, igualdade
As razões de ser do mundo
Trás a síntese, o profundo
Da nossa brasilidade
Mas, me permito um trago
E é com toda reverência
É água aqui da querência
E eu sem bebê-la me apago
Não é vício de índio vago
E a plateia não protesta
Eu tapeio o chapéu na testa
E vou seguir conversando
Vou seguir filosofando
Numa reunião como esta
A liberade que fala
No lema do nosso mapa
A própria essência farrapa
A qual nenhuma se iguala
Não tem a discriminá-la
Sexo, cores, mistéris
E eu concordo que as mulheres
No século do saber
Já não queiram mais viver
No tempo dos bem-me-queres
Para o cantor da legenda
Que andou brincando de amor
Com flecos do tirador
Pra pegar na mão da prenda
É bem justo que eu defenda
Toda essa vossa ansiedade
Toda feminilidade
E tenha os mesmos direitos
Apagando preconceitos
E tabús de virgindade
É um assunto delicado
No qual nunca se falava
Quando a mulher era escrava
Hoje é um ser emancipado
Por isso, o cantor largado
Da velha várzea pampeana
Se emociona, se engalana
E lembra o Marquês de Abrantes
Há cosas mais importantes
Do que uma simples membrana
Ao homem nada se negava
E ainda hoje não se nega
Mas a mulher que se entrega
Sempre é pior que uma escrava
Esse é um desnível que agrava
Desde que o mundo existiu
É válido o arrepio
De encontrar outro na cama
Ou então mudando o drama
Achar um rancho vazio
Não cometo a soncera
Nem diria essa blasfêmia
De querer mulher pra fêmea
Apenas pra criadera
A quero pra companheira
No tempo lindo e no feio
Mas eu lhes juro, eu peleio
Mais brabo do que um zorrilho
Se ela desmamar um filho
Pra não deformar o seio
Defensor insubmisso
Da mulher em qualquer plano
Eu sei que o Deus soberano
Nos pôs ali para isso
Sei e eu sei também do feitiço
Com que sempre a mulher usa
Com que ela usa e abusa
Dessas delicadas gemas
Na realidade dois poemas
Cutucados contra a blusa
Perdoem se eu vos choquei
Nesse meu linguajar rude
Mas a franqueza é a virtude
Do pago onde eu me criei
E eu vos juro que eu mamei
O santo leite materno
Esse leite, o puro cerno
É da nossa indiada campeira
Que fez barra na fronteira
Do nosso Brasil eterno
E eu aplaudo a posição
Da mulher profissional
Que a condição essencial
Da sua emancipação
E da participação
Que também é o seu sucesso
Porque hoje com seu ingresso
Se agiganta e se aprimora
Esse mundo a toda hora
No caminho do progresso
Mas eu vos faço um pedido
Neste magno conclave
Neste ambiente assim tão suave
Que me deixa comovido
Com marido ou sem marido
Seguindo no vosso trilho
Lembre o cantor andarilho
Do peão criado em estância
Nunca em nenhuma circunstâcia
Jamais rejeitem um filho
Porque neste mundo, a ciranda
O mundo onde nós vivemos
O mundo onde nós crescemos
E o mundo velho que anda
O mundo que se desmanda
Que não acerta os seus passos
Mesmo que alargue os espaços
As latitudes lonjuras
Nunca abarcará a ternuras
Da mãe com o filho nos braços
Não há melhor conselheira
Que a vida, minhas senhoras
Que encanta todas as horas
E nos guia a vida inteira
E até na rima campeira
As vezes a gente estranha
E se o pajador se assanha
Pra ficar fiminalista
Prefiro ser repentista
Porque o verso não arranha
Meus parabéns dona Ecléia
Meus parabéns caras damas
Aprovo em todas as gamas
Esse conclave, odisseia
E se alguma Dulcenéia
Se apartar do vosso lote
Deixe-na que se vá a trote
Pelos cinco continentes
Que ela vai perder os dentes
E não acha um Dom Quixote