Último Bochincho
Acervo Gaúcho (1998)
Jayme Caetano Braun
O resmungento nhenhém da acordeona conversava
fazia costa, roncava, rengueando no vai e vem
mal mal se enxergava alguém, entre murmúrio e relincho,
ali naquele bochincho, pras bandas do Itaroquém.
Tirei a china trigueira, com toda a delicadeza
ela me olhou com surpresa e foi dizendo altaneira
não é que a mamãe não queira, nem que o papai me impedisse
mas ele sempre me disse - não dança com bagaceira
Fiquei que nem mamangava e o candeeiro estremeceu
nem o tinhoso entendeu o beleléu que se armava
a gaita me debochava, e atorei num sopetão
em virtude do carão que aquela maula me dava
Saltou fumaça com poeira, quando cortei a cordeona
bem pelo meio a chorona, ao correr da carneadeira
parou de repente a zoeira, ficou só o ar fumacento
e o meu arrependimento, prá durar a vida inteira
Cortar uma gaita em duas, só por capricho
um pecado, o velho orgão sagrado das nossas missas charruas
quantas pragas de chiruas e desaforos malucos
e relampear de trabucos, tinir de adagas e púas
Para contar o enredo, isso não é bem assim
no bárbaro rintintim onde não vale segredo
ali o índio que tem medo, nem que não queira se entangue
sentindo o cheiro de sangue, e o choro do chinaredo
E o que não viu, ficou vendo, o resultado do talho
como quem corta um baralho, num jogo em que está perdendo
foi como um chiado fervendo, num olheiro de formiga
quem não tem nada com a briga, peleia se defendendo
Num medonho solavanco, perdeu pé a bugra Raimunda
larguei um pardo cacunda e um outro meio lonanco
e o gaiteiro, atrás de um banco, benzido a moda gaúcha
contra bala de garrucha e folha de ferro branco
Depois de tudo acabado, isso foi lá pelas tantas
lombos cortados, gargantas e bugre descaderado
sangue fresco misturado com gordura de candeeiro
mas saiu limpo o gaiteiro, que o tocador é sagrado
Quando veio o comissário, pra tratar dos seus assuntos
pra encomendar os defuntos veio também o vigário
inda hoje o vizindário, quando fala se arrepia
nunca mais desde esse dia, festejei aniversário
E a china!!? Não sei da china, pra onde foi, de adonde veio
lambe sal nalgum rodeio da pampa continentina
cortando talvez a clina, na minguante de setembro
por castigo ainda me lembro, daquela maula brasina!