Último Bochincho
A Volta do Payador (1988)
Jayme Caetano Braun
O resmungento nhenhém da acordeona conversava
Fazia costa, roncava, rengueando no vai e vem
Mal mal se enxergava alguém, entre murmúrio e relincho,
Ali naquele bochincho, pras bandas do Itaroquém.
Tirei a china trigueira, com toda a delicadeza
Ela me olhou com surpresa e foi dizendo altaneira
Não é que a mamãe não queira, nem que o papai me impedisse
Mas ele sempre me disse - não dança com bagaceira
Fiquei que nem mamangava e o candeeiro estremeceu
Nem o tinhoso entendeu o beleléu que se armava
A gaita me debochava, e atorei num sopetão
Em virtude do carão que aquela maula me dava
Saltou fumaça com poeira, quando cortei a cordeona
Bem pelo meio a chorona, ao correr da carneadeira
Parou de repente a zoeira, ficou só o ar fumacento
E o meu arrependimento, prá durar a vida inteira
Cortar uma gaita em duas, só por capricho
Um pecado, o velho orgão sagrado das nossas missas charruas
Quantas pragas de chiruas e desaforos malucos
E relampear de trabucos, tinir de adagas e púas
Para contar o enredo, isso não é bem assim
No bárbaro rintintim onde não vale segredo
Ali o índio que tem medo, nem que não queira se entangue
Sentindo o cheiro de sangue, e o choro do chinaredo
E o que não viu, ficou vendo, o resultado do talho
Como quem corta um baralho, num jogo em que está perdendo
Foi como um chiado fervendo, num olheiro de formiga
Quem não tem nada com a briga, peleia se defendendo
Num medonho solavanco, perdeu pé a bugra Raimunda
Larguei um pardo cacunda e um outro meio lonanco
E o gaiteiro, atrás de um banco, benzido a moda gaúcha
Contra bala de garrucha e folha de ferro branco
Depois de tudo acabado, isso foi lá pelas tantas
Lombos cortados, gargantas e bugre descaderado
Sangue fresco misturado com gordura de candeeiro
Mas saiu limpo o gaiteiro, que o tocador é sagrado
Quando veio o comissário, pra tratar dos seus assuntos
Pra encomendar os defuntos veio também o vigário
Inda hoje o vizindário, quando fala se arrepia
Nunca mais desde esse dia, festejei aniversário
E a china!!? Não sei da china, pra onde foi, de adonde veio
Lambe sal nalgum rodeio da pampa continentina
Cortando talvez a clina, na minguante de setembro
Por castigo ainda me lembro, daquela maula brasina!