Meus irmãos
Que coisa linda chimarrear de manhã cedo
Olhando ao longe o varzedo
A estrela d'alva saindo
Igual uma flor se abrindo
Pra o dia que vai nascer
E o índio pega a percorrer
De novo a estrada perdida
E as coisas boas da vida
Que quis e não pode ser
Lembro o Ruívo, o José Leal
Nessa hora de mim mesmo
E fico pensando a esmo
Nesse vôo emocional
Do imenso manancial
Das aventuras que já tive
Pois sem amor ninguém vive
Essa é a lei da natureza
Porém a maior riqueza
Que o homem tem é ser livre
E ouço a cambona que chia
E tomo mais um amargo
E volto pro sonho largo
Do canto e da fantasia
E o meu verso se estravia
Depois eu fico pensando
Que a guitarra bordoneando
Aqui junto do fogão
É o bater do coração
Do tempo que vai passando
E fico a pensar absurto
No imenso nazareno
Que grande quis ser pequeno
Ele que orara no horto
Ele não seria morto
Se houvesse nascido aqui
Se houvesse sido guri
Dentro de um rancho barreado
E nunca crucificado
Neste pago onde eu nasci
Mas ele, nosso Senhor
Foi que escolheu o calvário
Ele, o grande libertário
O maior libertador
Ele, o nosso criador
Morto pela criatura
Para demonstrar ternura
Do maior ao mais modesto
E fez da morte protesto
A qualquer escravatura
Amanhã é páscoa
As crianças nem dormem
Que coisa linda
Porque não sabem ainda
De entreveros e matanças
E eu sigo em minhas andanças
E vou cruzando os caminhos
Percorro todos os ninhos
Em cada canto do mundo
Porque no fundo, no fundo
Nós sempre somos piazinhos
E o homem? que faz o homem?
Olhando a essência divina
O homem se auto extermina
E os princípios se consomem
As coisas boas se somem
Tragadas pela ganância
E vão ficando a distância
Carregados pelo vento
Aqueles ensinamentos
Que a gente trouxe da infância
E vem a reminiciência
A querência onde eu nasci
O pago onde eu fui guri
A minha velha querência
Que eu lembro com reverência
Que eu lembro com emoção
A sagrada devorão
De toda aquela peonada
Nem se dava uma risada
Numa sexta de paixão
Hoje é tudo diferente
Pois tudo mudou de jeito
Hoje já não há respeito
É comércio simplesmente
Pensam que dar um presente
É o que basta e é um engano
Esquecem que o soberano
O nosso santo Jesus
Um dia subiu à cruz
Pra salvar o gênero humano
Eu não sou muito de igreja
E vou nela longe em longe
Muito embora seja um monge
Dessa liturgia andeja
Mas há um Deus que me proteja
E Ele é gaúcho por certo
Porque sempre eu sinto perto
Do bater das pulsações
E quanto a minhas orações
As faço no campo aberto
Prefiro a paz dos escambos
Respingados de sereno
Onde sou grande e pequeno
Na magestade dos campos
Contemplando os pirilampos
Que da grama se desprendem
E quando as estrelas se ascendem
Eu converso com as estrelas
Porque aprendi a compreendê-las
E elas também me compreendem
Hoje não há noticiário
Nós todos fizemos tréguas
Embora há mais de mil léguas
Do velho monte calvário
Eu vou desfiando um rosário
De orações que sei dizê-las
O vento ensinou-me a lê-las
Em bárberas operetas
Nos coros das noites pretas
Carrapateadas de estrelas
O Everlem, o Flávio, os Teatinos
E a Guaíba são devotos
E deixam agora os votos
De páscoa e bater de sinos
Velhos, moços e meninos
Fica também um conselho
Fazei do peito um espelho
De mar verde, só de campo
Verde e céu azul
Que o Brasil grande do sul
Deixará nele um espelhoe
E o rude cantor jesuíta
Termina a semana santa
Cantando pois quando canta
A oração que recita
Logo Jesus ressucita
Que a Ele ninguém empuia
E eu hoje tiro aleluia
Numa bailanta campeira
Sapateando uma vanera
Com a diaba cor de cuia