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Bochincho

Êxitos 2 (2000)

Jayme Caetano Braun

A um bochincho - certa feita,
fui chegando - de curioso,
que o vicio - é que nem sarnoso,
nunca pára - nem se ajeita.
baile de gente direita
vi, de pronto, que não era,
na noite de primavera
gaguejava a voz dum tango
e eu sou louco por fandango
que nem pinto por quirera.

atei meu baio - longito,
num galho de guamirim,
desde guri fui assim,
não brinco nem facilito.
em bruxas não acredito
´pero - que las, las hay´,
sou da costa do uruguai,
meu velho pago querido
e por andar desprevenido
há tanto guri sem pai.

no rancho de santa-fé,
de pau-a-pique barreado,
num trancão de convidado
me entreverei no banzé.
chinaredo à bola-pé,
no ambiente fumacento,
um candieiro, bem no centro,
num lusco-fusco de aurora,
pra quem chegava de fora
pouco enxergava ali dentro!

dei de mão numa tiangaça
que me cruzou no costado
e já sai entreverado
entre a poeira e a fumaça,
oigalé china lindaça,
morena de toda a crina,
dessas da venta brasina,
com cheiro de lechiguana
que quando ergue uma pestana
até a noite se ilumina.

misto de diaba e de santa,
com ares de quem é dona
e um gosto de temporona
que traz água na garganta.
eu me grudei na percanta
o mesmo que um carrapato
e o gaiteiro era um mulato
que até dormindo tocava
e a gaita choramingava
como namoro de gato!

a gaita velha gemia,
Ás vezes quase parava,
de repente se acordava
e num vanerão se perdia
e eu - contra a pele macia
daquele corpo moreno,
sentia o mundo pequeno,
bombeando cheio de enlevo
dois olhos - flores de trevo
com respingos de sereno!

mas o que é bom se termina
- cumpriu-se o velho ditado,
eu que dançava, embalado,
nos braços doces da china
escutei - de relancina,
uma espécie de relincho,
era o dono do bochincho,
meio oitavado num canto,
que me olhava - com espanto,
mais sério do que um capincho!

e foi ele que se veio,
pois era dele a pinguancha,
bufando e abrindo cancha
como dono do rodeio.
quis me partir pelo meio
num talonaço de adaga
que - se me pega - me estraga,
chegou levantar um cisco,
mas não é a toa - chomisco!
que sou de são luiz gonzaga!

meio na curva do braço
consegui tirar o talho
e quase que me atrapalho
porque havia pouco espaço,
mas senti o calor do aço
e o calor do aço arde,
me levantei - sem alarde,
por causa do desaforo
e soltei meu marca touro
num medonho buenas-tarde!

tenho visto coisa feia,
tenho visto judiaria,
mas ainda hoje me arrepia
lembrar aquela peleia,
talvez quem ouça - não creia,
mas vi brotar no pescoço,
do índio do berro grosso
como uma cinta vermelha
e desde o beiço até a orelha
ficou relampeando o osso!

o índio era um índio touro,
mas até touro se ajoelha,
cortado do beiço a orelha
amontoou-se como um couro
e aquilo foi um estouro,
daqueles que dava medo,
espantou-se o chinaredo
e amigos - foi uma zoada,
parecia até uma eguada
disparando num varzedo!

não há quem pinte o retrato
dum bochincho - quando estoura,
tinidos de adaga - espora
e gritos de desacato.
berros de quarenta e quatro
de cada canto da sala
e a velha gaita baguala
num vanerão pacholento,
fazendo acompanhamento
do turumbamba de bala!

é china que se escabela,
redemoinhando na porta
e chiru da guampa torta
que vem direito à janela,
gritando - de toda guela,
num berreiro alucinante,
índio que não se garante,
vendo sangue - se apavora
e se manda - campo fora,
levando tudo por diante!

sou crente na divindade,
morro quando deus quiser,
mas amigos - se eu disser,
até periga a verdade,
naquela barbaridade,
de chínaredo fugindo,
de grito e bala zunindo,
o gaiteiro - alheio a tudo,
tocava um xote clinudo,
já quase meio dormindo!

e a coisa ia indo assim,
balanceei a situação,
- já quase sem munição,
todos atirando em mim.
qual ia ser o meu fim,
me dei conta - de repente,
não vou ficar pra semente,
mas gosto de andar no mundo,
me esperavam na do fundo,
saí na porta da frente...

e dali ganhei o mato,
abaixo de tiroteio
e ainda escutava o floreio
da cordeona do mulato
e, pra encurtar o relato,
me bandeei pra o outro lado,
cruzei o uruguai, a nado,
que o meu baio era um capincho
e a história desse bochincho
faz parte do meu passado!

e a china? - essa pergunta me é feita
a cada vez que declamo
é uma coisa que reclamo
porque não acho direita
considero uma desfeita
que compreender não consigo,
eu, no medonho perigo
duma situação brasina


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