Deu cria a brasina velha
Do gadinho das crianças
-vaca mansa, das mais mancas,
Leiteira, u’a maravilha,
Desde os tempos de novilha
A eterna sacrificada.
Embora considerada
Quase gente da família.
Desta feita, era um terneiro,
Brasino da cola branca.
Cheio de manchas na anca.
Como bordadas no pêlo.
Dava gosto a gente vê-lo
Assim, vestido de festa,
Tendo um estrela na testa
Como a servir de sinuelo!
A vida, porém, é maula.
Ninguém sabe como foi
Perto dum “olho-de-boi”
Lá no fundo do potreiro
Fui encontrar o terneiro.
Berrando que nem criança
E as aspas da vaca mansa
Apontando no atoleiro.
Trouxe o terneiro pra casa
Como quem trás um piazinho.
Tão pequeno, tão novinho,
Que a gente se comovia
E parece que entendia
Que nada mais adiantava.
Quando berrando chamava
A mãe que não mais veria!
E agora é o guacho brasino
Que mama na mamadeira.
Vira os copos na mangueira
Na mais santa ignorância.
Pisa nos cuscos da estância
Remexe, faz reboliço
Ninguém se importa com isso,
Quem é que não teve infância?
Tem sempre nos olhos grandes
Algo místico e profundo
Refletindo o próprio mundo
Que o bom instinto norteia,
Escramuça e corcoveia
Quando vê o resto do gado
E se para alvorotado
Sempre que a gente carneia!
Então quando o gado entoa,
Seu bárbaro cantochão,
O guacho sai do galpão
E vem ficar ali fora
E berra também, e chora,
Com fúnebre resonância,
Como a chamar na distância
A mãe que se foi embora.
Não sei porque, sem ser guacho,
Sempre gostei dos guachinhos
Talvez por que são piazinhos
Sem pai, sem mãe, sem ninguém,
Que anseiam por querer bem
Mais do que anseiam por pão.
É a fome do coração
É mendicância também.
Porém a vida é assim mesmo,
E um dia guacho brasino.
Hás de cumprir teu destino,
Num matadouro, talvez,
Mas pede a deus que te vez,
Se é que existe o renascer.
Que é preferível não ser
Do que ser guacho outra vez.
Animal órfão e criado sem mãe.
Estafeta que leva algo a outrem.