Era estância mais linda
Margeando o Rio Uruguai
Que herdara do velho pai
Ainda na sua infância
Mas o pai com arrogância
Fez o Juca prometer
Que nunca ia vender
Aquela bonita estância
Ajoelhado rente a cama
Com olhar pesaroso
E um soluço teimoso
Lhe fez chorar sem querer
Papai enquanto eu viver
Eu não farei estravagância
E vou conservar a estância
Até o dia em que eu morrer
E devagar passou-se os anos
Na luta bruta das domas
Mas o ressovar da cordeona
Já era um convite pra farra
E nunca faltou amarra
Desta querência patrícia
E a china que tem malícia
Sabe pealar de cucharra
De certa feita voltou ao rancho
Já na garupa do dia
E junto consigo trazia
Alguém do seu agrado
Na anca do tostado
Uma china larifona
China com ares de dona
Crioula lá do povoado
E ali foram vivendo
Seguindo a mesma trilha
E quando surgiu a família
Foi amanunciando de baixo
Dequadas do mesmo tacho
Que não se compra na venda
Para ajudar na fazenda
Uma prenda e dois machos
E nas auroras matutinas
Saía para a recorrida
Ensinando na lida
O piazedo ainda novo
Mas a china com retovo
Manhoza, caborteira
Alarifa e retrincheira
Queria voltar para o povo
Dizia o Juca
Nem por brinquedo eu não troco
Este rincão pelo povo
E lá se precisa retovo
E o dinheiro se vai
E a prece de meu pai
Que eu fiz com arrogância
Para conservar a estância
Aqui nas margens do Uruguai
Dizia a china:
Que nada!
Não adianta.
Qualquer dia eu vou embora.
Porque meus filhos aqui fora
Só aprendem a ser domador
Profissão sem valor
O estudo é muito mais seguro.
E tu não vê que no futuro
Eles podem ser até doutor.
Tá certo o que tu dizes, china.
E aqui tu explica
Os filhos vão, mas tu fica
E como eu fico ancho
Na volta da campereada
Quando te encontro de cuia cevada
Me esperando sentadita
Ali na porta do rancho
Mas tanto a china amola
Que o Juca não resiste
E concordou muy triste
E da brasa acendeu um pito
E depois quase num grito
Mulher! tu tá de arte
A garra tuas cria e parte
Que aqui no más eu moro solito
E alí no oitão do rancho
Viu partir a tropa miúda
Depois a china fachuda
Caramba! Barbaridade!
Como eu vou sentir saudades
Deste piazote miúdo
Tem que ir para o estudo
E se vão morar na cidade
Com as mãos sobre a cabeça
Olhando triste a partida
Viu as sombras compridas
Cobrindo a cercania
E já era fim do dia
Malmente se enchergava o campo
E o aceno de um lenço branco
De alguém que partia
E veio a noite escura
Como a alma de um injusto
O uivar triste do cusco
Lhe deixou mais aborrecido
E murmurava no ouvido
Aqueles lábios molhados
Aquele corpo delgado
E aqueles cabelos compridos
O vento, uma ave grande
Que sobre as guinchas assoviava
Parece que se aninhava
Na copa do cinamomo
Dormiu. mas, viu em sonho
Cravado em sua retina
O corpo esbelto da china
Nos braços de um outro dono
E se foi passando os anos
O rancho semi-tapera
E chegou a primavera
As flores, os seus mistérios
E o Juca estava muy sério
E era dia de finados
Ensilhou o pingo tostado
E se foi até o cemitério
Apeia em silêncio
E dá uma olhada pro céu
E de manso tirou o chapéu
E entre as cruzes se vai
E sente as lágrimas que cai
Pesadas, gotejante
E depois parou alí adiante
Em frente ao t~umulo de sei pai
Acendeu a vela santa
E sentiu na garganta
O frimito da amargura
Papai eu vim em tua sepultura
Lembrei-me do teu pedido
Mas papai como eu tenho sofrido
Para cumprir aquela jura
Cumpro com sacrifício
O teu pedido velho santo
Não vendi o nosso campo
Que me destes por herança
E quando a saudade me avança
Eu saio pelas colinas
Curtir a saudade da china
E chorar pelas crianças
Não vim chorar miséria
Diante a tua sepultura
O que eu quero
é que me ajude das alturas
A encontrar outra prenda
Que goste desta fazenda
E respeite a minha jura.