(jairo brum/jardel borba)
quanta saudade dos meus tempos de guri
das brincadeiras de criança que eu fazia
de pega-pega, pula corda e caçador
soltar pandorga ao ponto de meio-dia
quando perdi o primeiro dente de leite
fiquei chorando por ter ficado banguela
sexta-feira santa, levantar de madrugada
sair pro campo pra recolher a macela
ir no lajeado pra buscar água de balde
revisar o anzol que deixei lá na espera
olhar a arapuca que prendeu a saracura
que comeu o milho que plantei lá na tiguera
tratar os bichos pra depois pescar na sanga
andar a cavalo de em pelo, só de buçal
terminar o eito que papai marcou na roça
e estudar numa escolinha rural
no escurecer cortar lenha de machado
e escolher um guarda-fogo pro galpão
puxar água, cortar pasto e tomar banho
fazer os temas iluminado a lampião
de madrugada botar os ossos de ponta
guri de campo não tem folga e nem feriado
fim de semana tomar um banho e trocar a pilcha
vai num fandango, mesmo sem ser convidado
ainda me lembro da menina, minha vizinha
que considero minha primeira namorada
eu guardo as cartas cheias de coraçãozinho
e sinto o cheiro da sua boca perfumada
lembro da escola e da capela em que eu rezava
e do bolicho que muito comprei fiado
debulhar milho pra depois levar no moinho
socar canjica para comer com melado
pegar uma abelha que se arranchou na carqueja
trocar um moirão que quebrou lá na mangueira
cangar os bois e depois botar no arado
cuidar o cavalo pra correr uma carreira
carnear um porco, depois derreter a banha
lonquear um couro para fazer um sovéu
buscar a parteira, a mamãe tá precisando
serrar umas tábuas para fazer um mundéu
participar de um puxirão de machado
de vez em quando uma carreira de a pé
parar rodeio nos campos do meu avô
fazer um biongo coberto de santa-fé
encilhar um potro e colocar dois pelegões
que muitas vezes me serviram de colchão
um trinta e oito pendurado na guaica
só fazer uso em caso de precisão
quanta saudade que eu tenho da minha terra
dos meus irmãos, da minha mãe e do meu pai
só me resta recordar tudo no verso
daquele tempo que eu sei que não volta mais